domingo, 7 de novembro de 2010

Há um cavalo alado, de asas pretas na noite de fogo, que teima em não se fazer dia. A noite de fogo é uma miragem no deserto, perdido na vertigem de ser e não-ser.
O precipício que chama e repele e o medo abomina, é o cavalo alado que chama e fecunda a terra que o sublima.
Sabem a sal, a noite, o deserto, os grilhões. São pesados, os grilhões de ferro, ferro da raiz que não desponta. A semente. O grilhão.
A caneta escreve sem rumo, sem direcção.
Voou um grão de areia para o universo, e no universo se perdeu. Um grão de areia, mícron no cosmos…o caos. Do caos emerge o cavalo que prendeu as asas. Suas crinas negras clamam pelo caos. Sugam as estrelas e a luz, que desaparecem no buraco negro de pó universal, verdadeiro colapso de Oppenheimer-Snyder.
No buraco negro não há lei nem ordem, apenas ausência de luz. Existe como o mais absoluto não-lugar. É lá que o cavalo alado queria ficar.
A partícula de sonho que o domina, quer um sítio onde morar. Um lugar que não existe, a Utopia. Utopia é o real por concretizar, um mundo paralelo: viver debaixo do mar. Encontrar uma sereia que canta o cavalo alado e o faz alucinar.
Impressões, vozes, delírios, na noite de fogo que se fez breu. Onde fica o real, se o Real se perdeu?
A Utopia, a alucinação, a realidade paralela. Ora perdida, ora encontrada, feita de areia, ou feita de nada.
É violento o silêncio que se impôs. É a ave que se solta e tem que voar. Uma asa de cera que derrete, outra com força para voar. Rémiges. Escrevem o voo numa folha de cartão, onde desenho o universo cabendo numa mão. A mão solta-se do braço que prende as asas do cavalo.
O cavalo agita-se, feroz. Já foi rio, agora é foz.
Desaguou no mar profundo e encontrou a Utopia, o seu real fantasmático.
Dorme.
Dorme.
Dorme.
Um grito: Ham-sa.