domingo, 24 de junho de 2012

sou da ausência,
como sou da noite

escrevi-me na escuridão das almas
e inscrevi-me na ausência da pele

...
sou da ausência,
como sou da reflexão,

no espelho,

do que outrora sonhei; solidão das almas,
indesejada; inscrevi-me na ausência dele.

sou da ausência,
como sou dos sentidos,
nascida na noite das chuvas,
sonhada no tempo das uvas e,
violentamente, ausente de mim,
arrancada do peito que um comboio me roubou.

sou da noite, onde a noite findou.

resta-me, agora, descobrir quem sou.

Susana Duarte
SONHO


quis viver sobre as ondas vivas dos dias
e, depois, sobre os ventos do sul

fiquei soturna, rasando sob as nuvens frias
e, fria também, sonhei amar o eterno azul

...
quis ficar noiva das heras de países pequeninos,
onde poderia fingir ser asa, rémige de uma existência
de solares tempestades e de dias claros-azuis-serenos

nesse noivado, encontrei as mágicas horas-estranhas,
estranhas-horas em que o sol e a noite se cruzam
atrás do mar e das mágicas névoas

atrás das névoas onde se vislumbram seres,
vi os olhos da eternidade, serena, alada, vivente,
da existência da magia e das eternidades pequenas
de todos os dias de todas as nossas vidas


Susana Duarte

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Tessituras


.entretecimento de saudades nas veias.

...
tristeza-desmesura das noites, quadradas
e longas, diagonais sobre o pranto, levadas
de água na tempestade dos olhos. escolhos,
refúgio no abismo, borboletas negras
sobre as asas de um istmo, ternura-melancolia
e atração pelo mar. estar.permanecer. querer.
ficar. ficar nas ondas da barca das vozes
pressentidas. tessitura de névoas e de suores.


.entretecimento plangitivo das águas.

ventre-profundidade da vida, semblante
de uma noite estranha e temida, solidão
de uma tarde de sol. absinto de ser angústia.

.cipreste abatido pela soturna nostalgia.

Susana Duarte (palavras e imagem)
 
 
 
 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

DESPIDA


Tenho os sentidos despidos de ti,
e de ti vestidos
na montanha de luas antigas,
na sáfara atravessada de rugas,
na territorialidade das névoas,
e na eternidade dos olhos.

...
De ti, retenho em mim a pele,
e na pele
dispo as cátedras do que sabia antes,
em dias que não sei,
em tempos e lugares onde fui outra,
em tempestades que retive na sombra
dos tecidos
do corpo.

Do corpo, despi-me na neve
e na neve das noites
enchi-me de ar,
volteei em ondas de som
e deixei-me encantar pelas nuvens
da mente.

Resido nas pontas feiticeiras
de um saber antigo
e dispo-me dos sentidos:
olhar,ainda que despida dos olhos;
sentir, ainda que sem tocar;
escutar, ainda que os ouvidos
alados
se tenham tornado viajantes
onde torres caem e mistérios
se levantam
nos dias
que sou.

Despi-me de tudo.
Prossigo em ti.
 


 Poema: Susana Duarte
Imagem: Foto de Ivano Cetta

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