domingo, 27 de agosto de 2017

o poema desocupou o corpo onde,
outrora, inscreveu vida

foi assim que o poema morreu e,
com ele, caíram as folhas 
e as árvores e as primaveras 

o poema, nado-vivo,e as palavras 
que o percorriam, segregavam seiva
mas morriam. morriam na morte dos corpos
amantes, e nas ruas por percorrer

morriam nas veias do corpo desocupado,
e no amarelecer dos dias. morriam,

e todavia falavam de lugares e de corpos vivos,
aqueles onde as névoas dissipadas 
permitem ver as veias e os dias idos,

e, talvez, ainda, segregar o sangue
que trará as palavras que, de novo, ocuparão 
os dias sombrios dos corpos

Susana Duarte





sábado, 26 de agosto de 2017



deixar os dedos onde as árvores falam e as aves
calam memórias, mantém vivos os nós dos dias
e a imprecisão dos sonhos. não sei de onde vêm


as absurdas imagens que persistem nas veias, 
ou as fotografias tiradas sob a luz esmaecida 
dos tempos. deixar as aves calar as memórias,
desabita a retina e deixa vítreos os grãos de areia


outrora revolvidos por mãos ansiosas, ágeis,
descomedidas nos toques e na procura dos corpos.

outrora absurdas, as veias ondulantes, mulheres 
desmedidas e intensas na avidez dos olhares.
mulheres. grãos de areia nos corpos amantes,
vítreas nos olhares com que se estendem, aves
elas próprias, na ignomínia dos abandonos.

Susana Duarte (poema e foto)
2016




aqui respiro improbabilidades
[como sombras pacatas 
erguendo os seios da noite]

e desfaço os laços brancos da noite 
[onde me separo das águas 
e caminho para sul]


caminho para sul, e invento 
pardais, e o sol do tempo
inventa-me a mim
[construindo-me rocha, e névoa, 
e sede sobre a terra]

Susana Duarte
2017
Poema e foto




"O sonho é um teatro íntimo"




íntimo é o silêncio das trovoadas

estranhas
nas entranhas do pensamento


e nas estradas desertas
onde me tolho de mim

Susana Duarte (poema e foto)
2012


a metamorfose dos olhos
reside na curva inesperada dos cílios

onde ficam as névoas e a claridade do olhar,
quando os olhos, mudos, se elevam pelos caminhos
silenciosos das mágoas antigas?


onde ficam as luzes e as quimeras,
quando as mãos [em fuga] navegam
as ausências dos olhares?

a metamorfose das mãos 
reside na curva inesperada dos seios,
nos lugares de ontem e na desocultação
do grito

as mulheres são olhares pousados
onde vivem os mistérios, senhoras que são das neblinas
e dos sortilégios

a metamorfose das mulheres é a demanda
feiticeira das paixões, e o grito sonoro
arrancado do peito

Susana Duarte (poema)
Fotografia: Francesca Woodman




não te conheço; todavia, habitas
os lugares da mente e os olhos
dúbios dos lugares que ainda não sei.

talvez saibas onde residem as mágoas
[escondidas] dos dias de antes. talvez
despertes as auroras, e saibas ondear
as marés que temo, que não sei, aquelas
onde os vôos se escondem nas noites
alvoraçadas pelo crocitar de aves
estranhas [perdidas no horizonte,atrás
das nuvens, elas] que me recobrem
quando as névoas me assaltam a pele.


não te conheço; todavia, habitas
os olhares nunca dados, e sorris,
mesmo quando o sorriso desfalece 
no recanto escondido da boca.

talvez te saiba, nos promontórios 
das memórias de todas as vidas,
onde esvoaço as sombras e vivo.

Susana Duarte (poema e foto)
Agosto 2017


domingo, 20 de agosto de 2017

https://youtu.be/TtVITPzFjRk

sábado, 19 de agosto de 2017

a metamorfose dos olhos
reside na curva inesperada dos cílios

onde ficam as névoas e a claridade do olhar,
quando os olhos, mudos, se elevam pelos caminhos
silenciosos das mágoas antigas?

onde ficam as luzes e as quimeras,
quando as mãos [em fuga] navegam
as ausências dos olhares?

a metamorfose das maos 
reside na curva inesperada dos seios,
nos lugares de ontem e na desocultação
do grito

as mulheres são olhares pousados
onde vivem os mistérios, senhoras que são das neblinas
e dos sortilégios 

a metamorfose das mulheres é a demanda
feiticeira das paixões, e o grito sonoro
arrancado do peito

Susana Duarte
Fotografia: Francesca Woodman







quinta-feira, 17 de agosto de 2017

aqui respiro improbabilidades
[como sombras pacatas 
erguendo os seios da noite]

e desfaço os laços brancos da noite 
[onde me separo das águas 
e caminho para sul]

caminho para sul, e invento 
pardais, e o sol do tempo
inventa-me a mim
[construindo-me rocha, e névoa, 
e sede sobre a terra]

Susana Duarte


terça-feira, 15 de agosto de 2017



eis as palavras sussurradas ante a força das areias,
na ondulação ciciante das ondas baixas e 
na nudez inesperada das rochas,

onde cada um dos teus ontens, se consubstancia
em palavras, presentes em cada um dos 
abraços com que percorres


o poema.

Susana Duarte





surpreendes as memórias,
num presente anunciado:
todo o tempo é terreno,

todo o mar salgado
é uma ave rara


por cumprir.

surpreendes, todavia, as memórias
e acordas as navegações
de um ventre oculto

onde as palavras mortas
recuperam a água
e renovam o vôo.

são águas novas,
as que se sobrepõem à morte.

são vôos novos,
de aves antigas. são vôos
delicados de aves temerosas.

são os dias
de agora. são os dias 
das deusas e das estações.
são os dias das quimeras,

onde as aves atrasam o vôo
e as mulheres se entregam às nébulas,
tao rarefeitas como elas

Susana Duarte


ESCREVO-TE



escrevo-te, para que saibas onde estou

perdi-me para além das amoreiras bravas,
que me pintam os lábios, e a pele, e os sentidos,
com as cores profundas das noites azuis


escrevo-te, para que saibas onde estou

perdi-me para além dos oceanos, onde nereidas
consomem o sal sereno dos mares calmos,
e a história nos reescreve nos dias salgados da procura

escrevo-te, e quem sabe, descobrir-me-ás

onde as Náiades serenam as águas já doces
e as amoras me preenchem com o rubro das suas bagas,
e o sumo delas me escorre pelos lábio, que beijas,

na procura incessante dos horizontes para além dos quais me perdi

Susana Duarte
2013

terça-feira, 8 de agosto de 2017

"I wanted to forget the past, but it refused to forget me. It waited for sleep then cornered me"

Margaret Atwood


sábado, 5 de agosto de 2017



deixar os dedos onde as árvores falam e as aves calam memórias, mantém vivos os nós dos dias e a imprecisão dos sonhos. não sei de onde vêm, as absurdas imagens que persistem nas veias, ou as fotografias tiradas sob a luz esmaecida dos tempos. deixar as aves calar as memórias, desabita a retina e deixa vítreos os grãos de areia, outrora revolvidos por mãos ansiosas, ágeis, descomedidas nos toques e na procura dos corpos. deixar os dedos falar,é acordar as memórias das aves, e os traçados imprecisos das ilusões. por entre quimeras, as horas acordam as imagens esbatidas pelo tempo, e as retinas desconexas da realidade regressam aos conteúdos habitados pelas rotinas. calar as memórias permite a antevisão do futuro ou, pelo menos, a vivencia pacífica dos dias de hoje. calar as aves é dar aos sons as memórias das árvores, tao imprecisas como o sonho, tao vivas quanto ele.




Susana Duarte

quinta-feira, 3 de agosto de 2017



as mulheres solitárias
desembainham expectativas
de onde outros retiram espadas
ou, talvez,sonhos perdidos

são únicas, azuis e imprevisíveis,
as mulheres solitárias. nelas,
colidem árias e são derrubados vôos
[são, na caminhada, aves lentas]
e, nos vôos, é incorporado o algaço
e as conchas e as sombras das aves
[também elas azuis, e solitárias
como as mulheres solitárias 
que desembainham expectativas
do pecíolo das vidas, das folhas
verdes por ondem fendem futuros]

as mulheres solitárias são lentas,
e curvas, onde o vôo baixo rarefaz
as nébulas, raras como os sonhos,
tão rarefeitas como as expectativas


Susana Duarte